Este material foi adaptado pelo Núcleo de Acessibilidade Informacional do Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal da Bahia, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, Capítulo IV, Artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

Adaptado por: Maria Clara Pereira Araújo 

Adaptado em: outubro de 2023

SADOK, B. J.; SADOK, V. A; RUIZ, Pedro. Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clínica. 11. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Cap. 27. p. 831 – 844.

 

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Capítulo 27

Psiquiatria e medicina reprodutiva

Eventos e processos reprodutivos têm situações simultâneas tanto fisiológicas quanto psicológicas. Da mesma forma, estados psicológicos afetam a fisiologia reprodutiva e modulam os eventos reprodutivos. Este capítulo examina essas relações bidirecionais com o objetivo de introduzir conceitos fundamentais relacionados aos eventos reprodutivos clássicos, como menarca, gestação, parto, pós-parto e menopausa. Os campos da psiquiatria e da medicina reprodutiva continuam a definir os diversos mecanismos pelos quais psique e corpo interagem para determinar a saúde ginecológica e psicológica da mulher. Por exemplo, o transtorno disfórico pré-menstrual – os sintomas incapacitantes e as mudanças graves no humor, na cognição e no comportamento que ocorrem associados ao ciclo menstrual – exemplifica um transtorno somatopsíquico no qual as mudanças biológicas corporais desencadeiam alterações no estado psicológico. Em contrapartida, formas funcionais de ovulação hipotalâmica representam doença psicossomática que se origina no cérebro, mas que altera o funcionamento somático.

FISIOLOGIA REPRODUTIVA

Os processos fisiológicos associados à menarca, ao ciclo menstrual, à gravidez, ao pós-parto e à menopausa ocorrem no contexto da vida fisiológica e interpessoal da mulher e interagem com o funcionamento psicossocial durante a adolescência, o início da idade adulta, a meia-idade e a idade avançada. Os campos da psiquiatria e da medicina reprodutiva estão recém começando a identificar a complexidade dos diversos mecanismos pelos quais psique e corpo interagem para determinar a função ginecológica e psicológica da mulher. Este capítulo ilustra como os processos reprodutivos interagem com eventos psicossociais e se destina, por fim, a melhorar a abordagem a tratamentos tanto ginecológicos quanto psiquiátricos.

Ciclos menstruais

Os ciclos menstruais resultam diretamente dos ciclos ovarianos. Cada ciclo ovariano começa com o desenvolvimento de um grupo ou coorte de folículos, sendo que um deles se torna dominante. Os folículos são compostos por um oócito envolto em células da granulosa, as quais, por sua vez, são envoltas por células tecais.

A parte superior da Figura 27-1 mostra que o desenvolvimento folicular é iniciado pela liberação hipotalâmica de hormônios liberadores de gonadotrofina (GnRH), em uma frequência pulsante de aproximadamente um pulso a cada 90 minutos. O GnRH estimula a liberação de gonadotrofinas epifisárias, hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo-estimulante (FSH). Por sua vez, o LH estimula as células tecais ovarianas a sintetizarem e a secretarem andrógenos; o FSH induz o desenvolvimento de células da granulosa, incluindo a enzima aromatase, a qual converte os andrógenos produzidos pelas células tecais em estrógenos. Na presença de uma frequência de um pulso de GnRH a cada 90 minutos, a secreção de LH e FSH na fase folicular será regulada principalmente por retroalimentação de estradiol no nível da hipófise. A elevação das concentrações de estradiol suprime o FSH e, assim, limita a quantidade de folículos que se tornam oócitos maduros capazes de ovulação.

Conforme ilustrado no painel do meio da Figura 27-1, quando as concentrações de estradiol se elevam exponencialmente para ultrapassar um limiar crítico e permanecem elevadas durante um período mínimo de 36 horas, que é o padrão que um folículo totalmente maduro produz, uma descarga de LH é desencadeada, e o resultado é a ovulação (liberação do óvulo do saco folicular) aproximadamente 36 horas depois. Após esse processo, as células da granulosa se transformam em células lúteas secretoras de progesterona, e o folículo ovulado, então, passa a se chamar corpo lúteo, o qual secreta progesterona.

A Figura 27-1 exibe os níveis de LH, FSH, estradiol e progesterona durante todo o ciclo menstrual e os eventos foliculares correspondentes. Os tecidos aos quais se destinam os esteroides ovarianos incluem o endométrio, cuja sequência de desenvolvimento é ilustrada na parte inferior, e o gerador de pulso de GnRH hipotalâmico, cuja frequência, indicada no painel de cima à direita, fica drasticamente mais lenta devido à combinação de estrógeno e progesterona secretados durante a fase pós-ovulatória ou lútea do ciclo menstrual. Essa inibição de GnRH é seguida pela redução da secreção de LH e FSH de modo que um novo desenvolvimento folicular é impedido até a regressão do corpo lúteo. Quando as concentrações de progesterona diminuem, a pulsação de GnRH e a secreção de gonadotrofinas, especialmente de FSH, aumentam. As fases do ciclo menstrual podem ser chamadas de folicular e lútea, em referência aos eventos ovarianos, ou proliferativa e secretora, em referência aos eventos endometriais.

GRAVIDEZ

Biologia da gravidez 

O primeiro sinal de provável gravidez é a ausência de menstruação durante uma semana. Outros indícios prováveis são aumento e sensibilidade dos seios, mudança no tamanho e na forma dos seios, náusea com ou sem vômitos (enjoos matinais), micção frequente e fadiga. Pode-se estabelecer um diagnóstico em 10 a 15 dias após a inseminação com teste de gonadotrofina coriônica humana (hCG), que é produzida pela placenta. O diagnóstico definitivo exige um nível dobrado de hCG e a presença de sons cardíacos fetais. A varredura de ultrassom transvaginal pode revelar um útero em gestação já nas primeiras quatro semanas após a inseminação, por meio da visualização do saco gestacional.

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[Inicio da descrição da Figura 27-1] – Retângulo em posição vertical, de cor branco com linhas pretas. Contém duas colunas. Para separar estas colunas, foi utilizada uma reta com linhas pontilhadas. A primeira coluna representa o ciclo em 90 minutos. A segunda coluna representa o ciclo em 2-4 horas. Neste retângulo, fases do ciclo menstrual está representado em sete blocos horizontais com imagens diferentes. De cima para baixo eles estão da seguinte forma: primeiro bloco com linhas onduladas para os hormônios GnRH e LH. No segundo bloco, contém as palavras: folicular na primeira coluna e lútea na segunda coluna. O terceiro bloco contém imagens de linhas mistas para os hormônios FSH, Es e P. No quarto bloco contém imagens de cinco pequenas esferas disformes que representam Folículo/ Corpo lúteo. Três delas estão na coluna folicular e duas na coluna lútea. No quinto bloco contém uma camada densa do que representa o Endométrio. No sexto bloco, contém na área da primeira coluna a palavra Proliferativa e na segunda a palavra Secretora. Por fim, no sétimo bloco, parte da coluna folicular está pintada de preto. A outra metade da coluna e a área lútea estão em branco e representam a menstruação. Abaixo estão os números 1, 5, 13, 28. [Fim da descrição]

Obs. Da descritora: Solicitamos que a leitora (or) busque melhores informações sobre a imagem com o professor da área.

[Inicio da legenda da Figura 27-1] Representação esquemática do ciclo menstrual humano. Es, estradiol; FSH, hormônio folículo-estimulante; GnRH, hormônio liberador de gonadotrofina; LH, hormônio luteinizante; P, progesterona. [Fim da legenda]

Estágios da gravidez 

A gravidez costuma ser dividida em três trimestres, começando pelo primeiro dia do último ciclo menstrual e terminando com o parto. Durante o primeiro trimestre, a mulher precisa se adaptar a mudanças no corpo, como fadiga, náusea e vômitos, sensibilidade nos seios e labilidade do humor. O segundo trimestre costuma ser o mais recompensador – o retorno da energia e o fim da náusea e dos vômitos permitem que a mulher se sinta melhor e vivencie o entusiasmo de parecer grávida. O terceiro trimestre está associado a desconforto físico para muitas mulheres. Todos os sistemas – cardiovascular, renal, pulmonar, gastrintestinal e endócrino – passaram por mudanças profundas que podem produzir sopro cardíaco, ganho de peso, dispneia de esforço e azia. Algumas mulheres precisam de tranquilização de que essas mudanças não são evidências de doença e de que elas voltarão ao normal logo após o parto – geralmente após 4 a 6 semanas.

Psicologia da gravidez 

Mulheres grávidas passam por mudanças psicológicas acentuadas. Suas atitudes com relação à gravidez refletem crenças arraigadas sobre todos os aspectos de reprodução, incluindo se a gravidez foi planejada e se o bebê é desejado. A relação com o pai da criança, a idade da mãe e sua noção de identidade também afetam sua reação à futura maternidade. Futuros pais também encaram desafios psicológicos.

Mulheres psicologicamente saudáveis costumam perceber a gravidez como um meio de autorrealização. Muitas relatam que a gravidez é um ato de criação que satisfaz uma necessidade fundamental. Outras usam a gravidez para reduzir as dúvidas sobre a própria feminilidade, ou para se certificarem de que podem funcionar como mulheres no sentido mais básico. Outras, ainda, encaram a gravidez de forma negativa; temem o parto ou se sentem incapazes de assumir o papel de mães.

Durante os primeiros estágios de seu próprio desenvolvimento, a mulher precisa passar pela experiência de se separar da própria mãe e de estabelecer uma identidade independente; essa experiência, mais tarde, afeta seu próprio sucesso na maternidade. Se a mãe da mulher não constituiu um bom exemplo, seu sentimento de competência maternal pode ficar prejudicado, e ela pode não ter autoconfiança antes e depois do parto. Os medos e as fantasias inconscientes da mulher durante o início da gravidez costumam girar em torno da ideia de fusão com sua própria mãe.

O apego psicológico ao feto tem início no útero, e, no começo do segundo semestre, a maioria das mulheres tem uma imagem mental do bebê. Mesmo antes do nascimento, o feto é encarado como um ser separado, dotado de uma personalidade pré-natal. Muitas mães conversam com seus filhos ainda no ventre. Evidências recentes sugerem que uma conversa emocional com o feto está relacionada não apenas à primeira ligação entre mãe e bebê como também aos esforços da mãe de ter uma gravidez saudável, por exemplo, ao abrir mão do tabagismo e do consumo de cafeína. Segundo teóricos psicanalistas, o filho por vir é uma tela em branco sobre a qual a mãe projeta suas esperanças e seus medos. Em raras ocasiões, essas projeções explicam estados patológicos no pós-parto, como o desejo da mãe de machucar seu bebê, a quem ela encara como uma parte odiada de si mesma. Normalmente, no entanto, parir satisfaz a necessidade da mulher de gerar e fomentar vida.

Pais também são profundamente afetados pela gravidez. Paternidade iminente requer uma síntese de questões de desenvolvimento como papel e identidade de gênero, separação ou individuação do próprio pai, sexualidade e, segundo a proposta de Erik Erikson, generatividade. Fantasias de gravidez em homens e desejos de parir em meninos refletem uma identificação com suas mães desde cedo, bem como o desejo de ser poderoso e criativo, atributos que identificam em suas genitoras. Para alguns homens, engravidar uma mulher é a comprovação de sua potência, uma dinâmica de destaque na paternidade adolescente.

Casamento e gravidez 

Os futuros mãe-esposa e pai-marido precisam redefinir seus papéis como um casal e como indivíduos. Eles encaram readaptações em seus relacionamentos com amigos e parentes e precisam lidar com novas responsabilidades como cuidadores do recém-nascido e de um para com o outro. Ambos podem sentir ansiedade quanto a sua adequação como pais; um dos parceiros, ou ambos, pode ser consciente ou inconscientemente ambivalente sobre o acréscimo da criança à família e sobre os efeitos no relacionamento diádico (duas pessoas). O marido pode se sentir culpado pelo desconforto da esposa durante a gravidez e o parto, e alguns homens ficam com ciúmes ou inveja da experiência de gravidez. Acostumado a satisfazer as necessidades de dependência um do outro, o casal deve cuidar das necessidades constantes de um novo bebê e de uma criança em desenvolvimento. Embora a maioria dos casais reaja de forma positiva a essas demandas, isso não acontece com alguns casais. Em condições ideais, a decisão de se tornar pai ou mãe e de ter filhos deve ser de comum

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acordo, mas, às vezes, a paternidade é racionalizada como uma forma de obter intimidade em um casamento com conflitos ou de evitar ter que lidar com outros problemas.

Atitudes com mulheres grávidas. De modo geral, atitudes em relação a uma mulher grávida refletem uma diversidade de fatores: inteligência, temperamento, práticas culturais e mitos da sociedade e da subcultura na qual a pessoa nasceu. As reações de homens casados à gravidez costumam ser positivas. Para alguns homens, no entanto, as reações variam desde a sensação de orgulho deslocada de que eles são capazes de engravidar a mulher até o temor de aumento de responsabilidades e consequente término do relacionamento. O risco de sofrer abuso pelo marido ou namorado aumenta durante a gravidez, especialmente durante o primeiro trimestre. Um estudo revelou que 6% das mulheres grávidas sofrem abuso. O abuso doméstico é um acréscimo significativo ao custo dos cuidados com saúde durante a gravidez, e mulheres que sofrem abuso têm maior probabilidade de ter história de aborto natural ou espontâneo e morte neonatal do que aquelas que não o sofrem. Os motivos para abuso variam. Alguns homens temem ser negligenciados e não ter necessidades excessivas de dependência satisfeitas; outros podem ver o feto como um rival. Na maioria dos casos, no entanto, encontra-se história de abuso antes da gravidez.

Parceiros do mesmo sexo, casamento e gravidez 

Existem casais de lésbicas que decidem que uma delas deve ficar grávida por meio de inseminação artificial. As atitudes da sociedade podem colocar pressão nessa combinação, mas, se as duas tiverem um relacionamento de confiança, a tendência é o fortalecimento dos laços afetivos ao se tornarem uma unidade familiar. Homens em relacionamentos homossexuais sérios estão gerando filhos por meio de inseminação artificial com mães substitutas. Estudos recentes indicam que não existem diferenças mensuráveis entre crianças criadas por casais do mesmo sexo e crianças criadas por pais heterossexuais no que diz respeito ao desenvolvimento de personalidade, desenvolvimento psicológico e identidade de gênero. Essas crianças também não são mais propensas a ser homossexuais.

Há mulheres solteiras, que nunca se casaram, que não desejam um relacionamento, mas que querem ficar grávidas e podem fazê-lo por meio de inseminação artificial ou natural. Elas constituem um grupo que acredita que a maternidade é a realização da identidade feminina, sem a qual suas vidas seriam incompletas. A maioria dessas mulheres considerou as consequências da condição de mãe solteira e se crê capacitada para lidar com os desafios inerentes a essa escolha.

Comportamento sexual 

Os efeitos da gravidez sobre o comportamento sexual variam. Algumas mulheres vivenciam aumento do desejo sexual quando a vasocongestão pélvica produz um estado mais sensível sexualmente. Outras são mais receptivas do que antes da gestação porque não temem mais ficar grávidas. Algumas sentem redução do desejo ou perdem totalmente o interesse na atividade sexual. A libido pode diminuir devido a níveis mais elevados de estrógeno ou a sentimentos de não ser atraente. Evitar sexo também pode ser o resultado de desconforto físico ou de uma associação de maternidade com assexualidade. Homens com impotência psíquica veem a mulher grávida como objeto sagrado que não deve ser maculado pelo ato sexual. Tanto o homem quanto a mulher podem considerar de modo errôneo que o coito seja potencialmente danoso ao feto em desenvolvimento e, portanto, algo a ser evitado. Homens que se envolvem em casos extraconjugais durante a gravidez de suas mulheres em geral o fazem durante o último trimestre.

Coito. A maioria dos obstetras não proíbe o coito durante a gravidez. Alguns sugerem que se deixe de praticar a cópula de 4 a 5 semanas antes do parto. Na ocorrência de sangramento no início da gravidez, um obstetra pode proibir o coito temporariamente como medida terapêutica. Sangramento nos primeiros 20 dias de gestação ocorre em 20 a 25% das mulheres, e aproximadamente metade desse grupo sofre aborto espontâneo. Há relatos de óbito materno resultante da entrada de ar pela vagina durante a prática de cunilíngua; os óbitos supostamente resultam de êmbolos de ar na circulação placentária materna.

Parto 

O medo de sentir dor e de se machucar durante o parto é universal e, até certo ponto, justificado. A preparação para o parto permite uma sensação de familiaridade e pode mitigar ansiedades, o que facilita a parturição. Apoio emocional contínuo durante o trabalho de parto reduz o índice de cesarianas e do uso de fórceps, a necessidade de anestesia, o uso de oxitocina e sua duração. Um parto tecnicamente difícil ou mesmo doloroso, no entanto, não parece influenciar a decisão de ter mais filhos.

A reação dos homens à gravidez e ao parto não foi muito estudada, mas a tendência recente de inclusão do pai no processo de nascimento tranquiliza suas ansiedades e promove uma sensação maior de participação. Pais não criam os filhos da mesma forma que mães, e novas mães às vezes precisam ser encorajadas a respeitar essas diferenças e ter uma visão positiva sobre elas.

Método Lamaze. Também conhecido como parto natural, o método Lamaze foi criado pelo obstetra francês Fernand Lamaze. Nesse método, a mulher fica totalmente consciente durante o trabalho de parto e o nascimento, sem uso de analgésicos ou anestesias. A mãe gestante e o pai assistem a aulas especiais, durante as quais aprendem exercícios de relaxamento e respiração elaborados para facilitar o processo do nascimento. Mulheres com esse treinamento costumam relatar dor mínima antes e durante o parto. Participar do processo de nascimento pode ajudar um pai receoso ou ambivalente a estabelecer um laço afetivo com seu filho recém-nascido.

Triagem pré-natal 

A triagem pré-natal para malformações fetais potenciais ou reais é conduzida na maioria das mulheres grávidas. Ultrassonografias são não invasivas e podem detectar anormalidades fetais estruturais. A α-proteína (AFP) materna é medida entre 15 e 20 semanas, para a identificação de defeitos do tubo neural e síndrome de Down. A sensibilidade do teste para síndrome de Down aumenta quando é realizada uma triagem tripla (AFP, hCG e estriol). A amniocentese é indicada para mulheres acima dos 35 anos, com irmão ou genitor com uma anomalia cromossômica conhecida e com AFP anormal ou qualquer outro risco grave de transtorno genético. A amniocentese normalmente é realizada entre 16 e 18 semanas e tem risco de aborto espontâneo de 1 em cada 300 mulheres após o procedimento. No primeiro trimestre, pode ser realizada amostra da vilosidade coriônica (CVS), a qual revela as mesmas informações referentes à condição cromossômica, níveis de enzimas e padrões de DNA (ácido desoxirribonucleico). Com a CVS, há um risco de 1 em cada 100 mulheres sofrer aborto espontâneo após o procedimento.

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Nos Estados Unidos, uma triagem no primeiro trimestre permite que a mulher opte pela interrupção da gravidez, que pode ser física e emocionalmente mais fácil para ela. Questões éticas profundas estão envolvidas quanto a abortar ou não um feto com um defeito conhecido. Algumas mulheres preferem não interromper a gestação e relatam um laço afetivo forte que dura a vida inteira da criança, que em geral morre antes dos pais.

Lactação 

A lactação ocorre devido a uma complexa cascata psiconeuroendócrina desencadeada pelo declínio abrupto das concentrações de estrógeno e progesterona durante o parto. De modo geral, bebês devem ser alimentados conforme o necessário, em vez de seguir horários. A amamentação tem vários benefícios: a composição do leite materno fomenta o desenvolvimento neuronal oportuno, confere imunidade passiva e reduz as alergias alimentares na criança. Em culturas em nível de subsistência, nas quais se permite que a criança mame o quanto quiser (uma prática defendida por La Leche League, um grupo defensor da amamentação), a maioria dos desmames ocorre entre os 3 e 5 anos de idade por iniciativa da criança, caso não seja encorajada pela mãe a fazê-lo antes. Mulheres que decidem amamentar precisam de boa orientação e apoio social, cuja ausência pode levar a frustração e a sentimentos de inadequação. Mulheres não devem se sentir pressionadas ou coagidas a amamentar se se opuserem à prática ou se forem ambivalentes. Em longo prazo, não existe diferença perceptível na idade adulta entre crianças que foram amamentadas no peito ou por mamadeiras.

Uma descoberta incidental sobre a lactação é que algumas mulheres experimentam sensações sexuais durante o ato, que, em casos raros, pode levar ao orgasmo. No início da década de 1990, uma mulher que chamou uma linha direta de ajuda para falar desses sentimentos foi encarcerada e separada do bebê devido a alegações de abuso sexual. No final, o senso comum prevaleceu e mãe e filho foram reunidos.

Morte perinatal 

A morte perinatal, definida como óbito ocorrido no período entre a 20ª semana de gestação e o primeiro mês de vida, inclui aborto espontâneo (interrupção involuntária da gravidez), morte fetal, natimorto e morte neonatal. Em anos anteriores, a forte ligação entre a mãe grávida ou nova mãe e o feto ou neonato era subestimada, mas a perda perinatal atualmente é reconhecida como um trauma significativo para ambos os pais. Pais que sofrem essa perda passam por um período de luto muito semelhante ao vivenciado com a perda de qualquer outro ente querido.

A morte fetal intrauterina, que pode ocorrer a qualquer momento durante a gestação, é uma experiência emocionalmente traumática. Nos primeiros meses de gravidez, a mulher normalmente não está consciente da morte fetal e a descobre apenas por meio de seu médico. Mais tarde, depois que os movimentos fetais e sons cardíacos foram vivenciados, a mulher pode ser capaz de detectar a morte fetal. Quando esse diagnóstico é recebido, a maioria das mulheres quer que o feto morto seja removido; dependendo do trimestre, pode-se induzir o trabalho de parto, ou a mulher pode ter que esperar pela expulsão espontânea dos conteúdos do útero. Muitos casais consideram relações sexuais durante o período de espera não apenas indesejáveis como também psicologicamente inaceitáveis.

Um sentimento de perda também acompanha o nascimento de uma criança natimorta e o aborto induzido de um feto anormal detectado por diagnóstico pré-natal. Conforme mencionado, o apego a uma criança ainda não nascida tem início antes do nascimento, e o pesar e o luto ocorrem após a perda a qualquer momento. O luto vivenciado após uma perda no terceiro semestre, contudo, geralmente é maior do que o vivenciado após uma perda do primeiro trimestre. Alguns pais não desejam ver a criança natimorta, e esse desejo deve ser respeitado. Outros desejam segurar o natimorto, o que pode ajudar no processo de luto. Uma gravidez subsequente pode reduzir sentimentos manifestos de pesar, mas não elimina a necessidade de luto. Chamados de filhos substitutos, crianças nascidas após esse evento correm risco de superproteção e problemas emocionais.

CONCEPÇÃO

Infertilidade

Infertilidade é a incapacidade de um casal em conceber após um ano de coito sem o uso de métodos contraceptivos. Nos Estados Unidos, aproximadamente 15% das pessoas casadas não conseguem ter filhos. No passado, culpava-se a mulher por não gerar filhos, e, com frequência, sentimentos de culpa, depressão e inadequação acompanhavam a percepção de ser estéril. Atualmente, sabe-se que as causas de infertilidade são atribuídas a homens em 40% dos casos, transtornos em mulheres, em 40%, e transtornos em ambos, em 20%. Histórias separadas obtidas para cada parceiro (Tab. 27-1) e testes de infertilidade (Tab. 27-2) normalmente revelam a causa específica; contudo, 10 a 20% dos casais não têm uma causa identificável.

A incapacidade de ter filhos pode gerar estresse psicológico grave em um ou em ambos os parceiros no casamento. Culpar a si mesmo aumenta a probabilidade de problemas psicológicos. A mulher – mas não o homem – corre maior risco de sofrimento psicológico se for mais velha e não tiver filhos biológicos. Caso um ou ambos os parceiros não queiram tirar proveito de técnicas reprodutivas assistidas, o casamento pode ficar instável. Uma avaliação psiquiátrica do casal pode ser recomendável. Falta de harmonia conjugal ou conflitos emocionais sobre intimidade, relações sexuais ou papéis de pai e mãe podem afetar diretamente a função endócrina e processos fisiológicos como ereção, ejaculação e ovulação. No entanto, não existem evidências de relações causais simples entre estresse e infertilidade.

Quando conflitos pré-existentes fazem surgir problemas de identidade, autoestima e culpa, a perturbação pode ser grave e se manifestar por meio de regressão, extrema dependência de um médico, companheiro ou genitor, raiva difusa, comportamento impulsivo ou depressão. O problema se torna mais complicado quando terapia hormonal é utilizada para tratar infertilidade, porque ela pode temporariamente aumentar a depressão em alguns pacientes. O humor e a cognição podem ser alterados por agentes farmacológicos usados para tratar transtornos de ovulação ou para superestimular os ovários.

Pessoas que têm dificuldade de concepção podem experimentar choque, incredulidade e um sentimento geral de desamparo e podem desenvolver uma obsessão compreensível com o problema. O envolvimento com os exames de infertilidade e a aquisição de informações sobre o tema podem ser uma defesa construtiva contra sentimentos de inadequação e os aspectos humilhantes e, por vezes, dolorosos do exame em si. Preocupações quanto a ser atraente e sexualmente desejável também são comuns. Os parceiros podem se sentir feios ou impotentes, e relatam-se episódios de disfunção sexual e perda de desejo. Esses problemas são agravados quando o casal define horários para relações sexuais de acordo com tabelas de temperatura e de ciclos de ovulação. Tratamentos para infertilidade (Tab. 27-3) são caros e tomam muito tempo e energia. Tanto homens quanto

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[Inicio da descrição da Tabela 27-1] Tabela composta por três colunas e sete linhas com o título: Consulta focada para exames de infertilidade. Na primeira linha contém os cabeçalhos de acordo com as colunas: História médica, Parceira, Parceiro. Nas linhas subsequentes são apresentadas as informações na seguinte ordem:

História médica e revisão de sistemas - Para parceira: Problemas médicos e medicamentos atuais, alergias, hirsutismo, disfunção da tireoide, ganho de peso, diabetes melito; Para parceiro: Problemas médicos e medicamentos atuais, alergias, função erétil, exposição a temperaturas elevadas. História cirúrgica - Para parceira: Cirurgia de tubas uterinas, gravidez ectópica, apendicectomia, cirurgia pélvica.  Para parceiro: Correção de hérnia, cirurgia testicular ou de varicocele. História sexual - Para parceira: Frequência das relações sexuais, relação temporal entre ato sexual e teste de ovulação, dispareunia. Para parceiro: História de uso de contraceptivo, uso excessivo de lubrificantes. História de infertilidade - Para parceira: Fertilidade anterior, história de tratamentos de infertilidade, duração de infertilidade. Para parceiro: Fertilidade ou infertilidade anterior. História social - Para parceira: Uso de tabaco, cafeína, tetra-hidrocanabinol (THC), drogas, exposição a quimioterapia ou radiação, estressores psicossociais. Para parceiro: Uso de tabaco, cafeína, THC, drogas, exposição a quimioterapia ou radiação. História de desenvolvimento - Para parceira: Menarca, desenvolvimento dos seios, dismenorreia, história de doenças sexualmente transmissíveis, uso de contracepção anterior, exposição a dietilestilbestrol (DES), história de teste de Papanicolau anormal e tratamento subsequente. Para parceiro: Grau de virilidade, infecções testiculares, traumatismo genital, criptorquidismo, desenvolvimento na puberdade, história de doenças sexualmente transmissíveis. [Fim da descrição]

[Inicio da legenda da Tabela 27-1]: (Adaptada de Frey KA, Patel KS. Initial evaluation and management of infertility. Mayo Clin Proc. 2004;79(11):1439–1443, com permissão.) [Fim da legenda]

mulheres podem ficar oprimidos pela complexidade, pelos custos, por seu caráter invasivo e pela incerteza associada à intervenção médica.

Solteiros cientes de sua própria infertilidade podem se esquivar de relacionamentos com medo de ser rejeitados assim que seu “defeito” for revelado. Pessoas inférteis podem ter dificuldade em seus relacionamentos adultos com os próprios pais. A identificação e a igualdade que se originam do compartilhamento de paternidade/ maternidade devem ser substituídas por reservas internas e outros aspectos generativos de suas vidas.

A intervenção profissional pode ser necessária para ajudar casais inférteis a expressar seus sentimentos e a passar pelo processo de luto pela perda de suas funções biológicas e pelos filhos que não podem ter. Casais que continuam inférteis devem lidar com uma perda real. Casais que decidem não ir atrás da paternidade podem desenvolver um sentimento renovado de amor, dedicação e identidade como um par. Outros podem precisar de ajuda para explorar as opções de inseminação pelo marido ou por doador, implante laboratorial e adoção.

[Inicio da descrição da Tabela 27-2]: Tabela composta por três colunas e quatorze linhas com o título: Testes para exames de infertilidade. Na primeira linha contém os cabeçalhos de acordo com as colunas: Possível causa, Teste, Comentários. Nas linhas subsequentes são apresentadas as informações na seguinte ordem: Anovulação – teste: Gráfico de temperatura basal, Comentários: Paciente precisa fazer todas as manhãs. Teste: Biópsia do endométrio, Comentários: Procedimento ambulatorial no fim da fase lútea. Teste: Progesterona sérica, Comentários: Um ou vários hemogramas. Teste: Kit urinário de detecção de ovulação. Comentários: Uso em casa em meados do ciclo para planejar o momento do ato sexual. Teste: Ultrassom. Comentários: Visualiza os folículos ovarianos e sua ruptura. Transtorno anatômico – Teste: Histerossalpingografia, Comentários: Raio X durante a fase proliferativa, na qual uma tintura radiopaca é introduzida no útero pelo colo do útero para definir os contornos intrauterinos e a desobstrução das tubas. Teste: Histerossonografia, Comentários: Exame de ultrassom transvaginal com instilação de solução salina na cavidade uterina para definir contornos. Teste: Laparoscopia diagnóstica, Comentários: Visualização das superfícies externas de estruturas internas. Teste: Histeroscopia,  Comentários: Visualiza a cavidade endometrial diretamente. Espermatogêne-se anormal - Teste: Análise do sêmen, Comentários: Valor normal > 20 milhões/mL, volume de 2 mL, 60% motilidade. Teste: Teste pós-coito, Comentários: Durante meados do ciclo para observar interação entre esperma e muco cervical. Transtorno imunológico - Teste: Anticorpos antiespermatozoides, Comentários: Teste do sêmen masculino. Azoospermia - Teste: Biópsia dos testículos, Comentários: Determina a qualificação para injeções de esperma intracitoplásmicas. Teste: Análise de frutose no sêmen, Comentários: Determina se os ductos deferentes estão desobstruídos. [Fim da descrição]

[Inicio da legenda da Tabela 27-2] (Adaptada de Beckmann CRB, Ling FW, Barzansky BM, Bates G, Herbert W: Obstetrics and Gynecology for Medical Students. Baltimore: Williams Wilkins; 1992.) [Fim da legenda]

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[Inicio da descrição da Tabela 27-3] ... [Fim da descrição]

[Inicio da legenda da Tabela 27-3] ... [Fim da legenda]

PLANEJAMENTO FAMILIAR E CONTRACEPÇÃO 

Planejamento familiar é o processo de escolher quando ter filhos e optar pela alternativa de tê-los. Uma forma de planejamento familiar é a contracepção, a prevenção de fecundação ou de fertilização do óvulo. A escolha de um método contraceptivo (Tab. 27-4) é uma decisão complexa que envolve a mulher e seu parceiro. Fatores que influenciam a decisão incluem a idade da mulher e sua condição médica, seu acesso a cuidados médicos, as crenças religiosas do casal e a necessidade de espontaneidade sexual. A mulher e seu parceiro podem avaliar os riscos e os benefícios das diversas formas de contracepção e tomar sua decisão com base no estilo de vida atual e outros fatores. O sucesso da tecnologia contraceptiva possibilitou que casais dedicados à carreira profissional retardem o momento de nascimento dos filhos para a faixa dos 30 e 40 anos. Essa demora, no entanto, pode aumentar os problemas de infertilidade. Consequentemente, muitas mulheres com carreira estabelecida sentem que seu relógio biológico está com as horas contadas e planejam ter filhos durante o início da faixa dos 30 anos para evitar o risco de não conseguir tê-los mais tarde.

Esterilização

Esterilização é um procedimento que impede um homem ou uma mulher de produzir descendentes. Na mulher, costuma ser salpingectomia, ligação das tubas uterinas, um procedimento de baixa morbidade e baixa mortalidade. O homem normalmente é esterilizado por meio de vasectomia, excisão de parte dos ductos deferentes, um procedimento muito mais simples do que a salpingectomia e de execução ambulatorial. A esterilização voluntária, especialmente vasectomia, se tornou a forma mais popular de controle da natalidade em casais com mais de 10 anos de casamento.

Uma pequena proporção de pacientes que opta por esterilização pode sofrer de síndrome neurótica pós-esterilização, a qual pode se manifestar por meio de hipocondria, dor, perda de libido, ausência de resposta sexual, depressão e preocupações quanto à masculinidade ou feminilidade. Um estudo com mulheres que se arrependeram de ter se submetido à esterilização relatou que elas optaram pelo procedimento quando estavam em um mau relacionamento, frequentemente com parceiros abusivos. O arrependimento é mais prevalente quando a mulher forma um novo relacionamento e deseja ter um filho com o novo parceiro. Consulta psiquiátrica pode ser necessária para separar pessoas que buscam esterilização por motivos irracionais ou psicóticos daquelas que tomaram a decisão após muita consideração.

Os procedimentos operacionais para a esterilização, ou seja, vasectomia e ligação das tubas uterinas, adquiriram menos importância do que no passado devido ao advento de contraceptivos e à relativa facilidade de se fazer um aborto. Ainda assim, procedimentos de esterilização ainda são escolhidos por homens e mulheres que, por diversas razões, querem abrir mão permanentemente de sua capacidade de ter filhos.

Aborto

Aborto induzido é a interrupção planejada da gravidez. Realiza-se aproximadamente 1,3 milhão de abortos nos Estados Unidos todos os anos – 246 abortos para cada mil nascidos vivos. Os diversos tipos de aborto são listados na Tabela 27-5. Ao longo da última década, a quantidade de abortos declinou em aproximadamente 15%. Especialistas em planejamento familiar acreditam

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que maior disseminação de educação sexual e maior disponibilidade de métodos de contracepção fazem a quantidade de abortos se manter baixa. Em países ocidentais, a maioria das mulheres que faz aborto é jovem, solteira e primípara; em países emergentes, o aborto é mais comum entre mulheres casadas, com dois filhos ou mais.

De todos os abortos, 60% são realizados antes de oito semanas de gestação, 88% antes de 13 semanas, e 4,1% entre 16 e 20 semanas, sendo que 1,4% ocorre após 21 semanas. A Tabela 27-6 resume as técnicas de aborto mais comuns, e a Tabela 27-7 compara técnicas médicas e cirúrgicas de aborto.

O aborto se tornou uma questão política e filosófica nos Estados Unidos. O país se divide claramente entre grupos pró-vida e pró-escolha. Nos últimos anos, demonstrações populares antiaborto fizeram piquetes em frente a clínicas de aborto e provocaram confrontos inflamados com pacientes. A atmosfera de condenação moral e intimidação pode dificultar a decisão de interromper a gravidez.

Reações psicológicas ao aborto. Estudos recentes demonstram que a maioria das mulheres que faz aborto devido a uma gravidez indesejada (i.e., aborto induzido) estava satisfeita com sua

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decisão e tem poucas ou nenhuma sequela psicológica negativa. No entanto, mulheres que sofreram aborto espontâneo relataram um índice elevado de reações disfóricas. A diferença pode ser explicada, em parte, pelo fato de que a maioria das mulheres que induziu aborto o fez porque não desejava a criança. Presume-se que mulheres que sofrem aborto espontâneo desejem seus bebês. Contudo, em longo prazo, cerca de 10% das mulheres que induziram aborto se arrependem de ter realizado o procedimento.

Abortos de segundo trimestre são psicologicamente mais traumáticos do que os de primeiro trimestre. O motivo mais comum para abortos tardios é a descoberta (por meio de amniocentese ou ultrassom) de um cariótipo anormal ou anomalia fetal. Portanto, abortos tardios em geral envolvem a perda de uma criança desejada com quem a mãe já havia estabelecido um laço afetivo.

Antes da legalização do aborto nos Estados Unidos, em 1973, muitas mulheres buscavam procedimentos ilegais, com frequência realizados sem esterilização e por pessoas sem treinamento. Morbidade e mortalidade consideráveis foram associadas a essas práticas, e mulheres a quem era negado o aborto às vezes optavam por suicídio em vez de pela continuação de uma gravidez indesejada. De modo geral, no entanto, o risco de suicídio é baixo em mulheres grávidas, mesmo entre as que não desejam um filho, mas que levam a gestação a termo. Quando uma mulher é forçada a carregar um feto até o nascimento, apesar do baixo risco de suicídio, aumenta o risco de infanticídio, abandono e negligência do recém-nascido indesejado.

O aborto também pode ser uma experiência significativa para homens. Se um homem tem um relacionamento íntimo com a mulher, ele pode desejar desempenhar um papel ativo no procedimento, acompanhando-a ao hospital ou à clínica de aborto e proporcionando apoio emocional. Pais podem vivenciar luto considerável pela interrupção de uma gravidez desejada.

Senescência reprodutiva

Homens e mulheres experimentam um declínio da capacidade de reprodução relacionado à idade, mas apenas as mulheres passam por interrupção total da função gonadal. A perda da capacidade de reprodução pode apresentar um desafio psicológico para as pessoas que não se conformam com a perda de fertilidade. Contudo, mesmo com a falência gonadal, a disponibilidade de oócitos e esperma de doadores significa que a gravidez pode ser iniciada em uma mulher na menopausa, com um útero intacto, que deseje buscar essa opção. Estudos mostraram que homens mais velhos podem desenvolver uma mutação genética nos espermatozoides, a qual aumenta a incidência de prole autista ou esquizofrênica.

Menopausa

A menopausa, o fim da ovulação, geralmente ocorre entre os 47 e 53 anos de idade. O hipoestrogenismo que se segue pode levar a ondas de calor, perturbações do sono, atrofia e secura vaginais e perturbações cognitivas e afetivas. Mulheres correm grande risco de osteoporose, demência e doença cardiovascular. A depressão na menopausa foi atribuída à “síndrome do ninho vazio”. Muitas mulheres, no entanto, relatam aumento na sensação de bem-estar e desfrutam de oportunidades para alcançar objetivos que foram adiados devido à criação dos filhos.

ASPECTOS PSIQUIÁTRICOS DA GRAVIDEZ

Depressão pós-parto 

Muitas mulheres experimentam sintomas afetivos durante o período pós-parto, de 4 a 6 semanas após a parturição. A maioria dessas mulheres relata sintomas compatíveis com baby blues, uma perturbação transitória do humor caracterizada por labilidade de humor, tristeza, disforia, confusão subjetiva e choro. Esses sentimentos, que podem durar vários dias, foram atribuídos a rápidas mudanças nos níveis hormonais, ao estresse de dar à luz e à consciência do aumento de responsabilidade inerente à maternidade. Nenhum tratamento profissional é necessário além de orientação e apoio para a nova mãe. Caso os sintomas persistam durante um período superior a duas semanas, indica-se avaliação para depressão pós-parto.

A depressão pós-parto (codificada como um subtipo de transtorno depressivo maior na 5ª edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [DSM-5]) se caracteriza por humor deprimido, ansiedade excessiva, insônia e mudança no peso. O início costuma ocorrer durante as 12 semanas após o parto. Nenhuma evidência conclusiva indica que baby blues leve a um episódio subsequente de depressão. Vários estudos indicam, no entanto, que um episódio de depressão pós-parto aumenta o risco de ocorrências de depressão maior durante a vida. O tratamento de depressão pós-parto não é estudado de maneira aprofundada devido ao risco de transmitir antidepressivos a recém-nascidos durante a lactação. A Tabela 27-8 diferencia baby blues de depressão pós-parto.

Uma síndrome descrita nos pais é caracterizada por alterações no humor durante a gravidez da esposa ou após o nascimento do bebê. Esses pais são afetados por vários fatores: acréscimo de responsabilidade, redução do uso de sexo como válvula de escape, menos atenção da esposa e a crença de que a criança é um vínculo forçado em um casamento insatisfatório.

Psicose pós-parto

A psicose pós-parto (por vezes chamada psicose puerperal) é um exemplo de transtorno psicótico que ocorre em mulheres que deram à luz recentemente. A síndrome costuma ser caracterizada por depressão e delírios da mãe e pensamentos de causar danos a si mesma ou ao bebê. Essa ideação de suicídio ou infanticídio deve ser monitorada com atenção; embora seja raro, algumas mães colocam essas ideias em prática. Grande parte dos dados disponíveis sugere uma relação íntima entre psicose pós-parto e transtornos do humor, em particular transtorno bipolar e transtorno depressivo maior. Ela é codificada como um subtipo de transtorno bipolar no DSM-5.

A incidência de psicose pós-parto é de cerca de 1 a 2 a cada mil partos. Cerca de 50 a 60% das mulheres afetadas recém tiveram seu primeiro filho, e 50% dos casos envolvem partos associados a complicações perinatais não psiquiátricas. Cerca de 50% das mulheres afetadas apresentam história familiar de transtornos do humor. Os dados com maior respaldo indicam que um episódio de psicose pós-parto é essencialmente um episódio de um transtorno do humor, em geral de transtorno bipolar, mas, possivelmente, de um transtorno depressivo. Parentes de mulheres com psicose pós-parto apresentam incidência de transtornos do humor semelhante à incidência em parentes de pessoas com transtornos do humor. Até dois terços das pacientes apresentam um segundo episódio de transtorno afetivo subjacente durante o ano após o nascimento do bebê. O processo de nascimento talvez possa ser encarado como um estresse não específico que causa o desenvolvimento de um episódio de um transtorno maior do humor, talvez por meio de um mecanismo hormonal de grande amplitude.

Com frequência, os sintomas de psicose pós-parto podem iniciar no prazo de dias após o parto, embora o período médio até o início seja de 2 a 3 semanas. As pacientes costumam se queixar de fadiga, insônia e inquietação e podem ter episódios de choro e de labilidade emocional. Mais tarde, suspeita, confusão, incoerência,

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afirmações irracionais e preocupações obsessivas com a saúde do bebê e seu bem-estar podem estar presentes. Material delirante pode envolver a ideia de que o bebê está morto ou é defeituoso. A paciente pode negar o nascimento e expressar pensamentos de ser solteira, virgem, perseguida, influenciada ou perversa. Alucinações com conteúdo semelhante podem envolver vozes que dizem à paciente para matar o bebê ou a si mesma. Queixas quanto à incapacidade de se mover, ficar em pé ou caminhar também são comuns.

O início de sintomas psicóticos floridos costuma ser antecedido por sinais prodrômicos, como insônia, inquietação, agitação, labilidade do humor e déficits cognitivos leves. Assim que a psicose ocorre, a paciente pode constituir risco para si mesma ou para seu recém-nascido, dependendo do conteúdo de seu sistema delirante e de seu grau de agitação. Em um estudo, 5% das pacientes cometeram suicídio, e 4% cometeram infanticídio. Um resultado favorável está associado a uma boa adaptação pré-mórbida e a uma rede familiar de apoio. Novas gestações estão associadas a maior risco de um novo episódio, às vezes com probabilidade de até 50%.

Assim como qualquer outro transtorno psicótico, os clínicos devem considerar a possibilidade de um transtorno psicótico causado por uma condição médica geral ou induzido por substância. Possíveis condições médicas gerais incluem hipotireoidismo e síndrome de Cushing. O transtorno psicótico induzido por substância pode estar associado ao uso de analgésicos como pentazocina ou de fármacos anti-hipertensivos durante a gravidez. Outras causas médicas possíveis incluem infecções, toxemia e neoplasmas.

A psicose pós-parto é uma emergência psiquiátrica. Medicamentos antipsicóticos e lítio, frequentemente combinados com um antidepressivo, são os tratamentos recomendados. Nenhum agente farmacológico deve ser receitado para uma mulher durante a amamentação. Pacientes suicidas podem precisar de transferência para uma unidade psiquiátrica para ajudar a impedir uma tentativa de suicídio.

A mãe normalmente tira proveito do contato com seu bebê se assim o desejar, mas as visitas devem ser supervisionadas de modo atento, em especial se a mãe estiver obcecada em causar danos à criança. Indica-se psicoterapia após o período de psicose aguda, a qual costuma ser direcionada para auxiliar a paciente a aceitar e a se sentir confortável no papel de mãe.

Mudanças em fatores ambientais também podem ser indicadas, como aumento do apoio por parte do marido e de outras pessoas. A maioria dos estudos relata índices elevados de recuperação da doença em sua forma aguda.

[Inicio do Quadro 27.1] A Sra. Z. é uma professora de ensino médio de 30 anos que mora em Lagos, Nigéria. Ela é casada e tem cinco filhos. O nascimento de seu último filho foi complicado por hemorragia e sepse, e ela continuava hospitalizada no departamento de ginecologia 13 dias após o parto, quando sua ginecologista solicitou uma consulta psiquiátrica. A Sra. Z. estava agitada e parecia estupidificada. Afirmou ao psiquiatra: “Sou uma pecadora. Tenho que morrer. Minha vida acabou. Não posso ser uma boa cristã novamente. Preciso renascer. Jesus Cristo devia me ajudar. Ele não está me ajudando”. Estabeleceu-se um diagnóstico de psicose pós-parto. Um fármaco antipsicótico, clorpromazina, foi receitado, e a paciente logo estava bem o bastante para voltar para casa. Após três semanas, ela foi reinternada, dessa vez na ala psiquiátrica, alegando que “teve uma visão dos espíritos” e que estava “lutando contra os espíritos”. Seus parentes relataram que, em casa, ela ficava em jejum e “mantinha sentinela” durante as noites e não dormia. Ela havia reclamado aos vizinhos de que havia uma bruxa em sua casa. A bruxa se revelou ser sua mãe. O marido da Sra. Z., que estava estudando engenharia na Europa, voltou às pressas para casa e assumiu o comando do lar, mandou a sogra embora e supervisionou o tratamento da esposa. Ela melhorou rapidamente com medicação antidepressiva e teve alta em duas semanas. Sua melhora, no entanto, durou pouco. Ela se desfez dos medicamentos e começou a frequentar missas, seguindo os sacerdotes com perguntas sobre os evangelhos. Em uma semana, foi reinternada. Na ala hospitalar, acusou o psiquiatra de cegá-la com lanternas e de tirar fotografias suas, de abrir seu peito, usando-a como cobaia, de envenenar sua comida e de planejar enterrá-la viva. Ela alegou receber mensagens de Marte e Júpiter e anunciou

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que havia uma revolta na cidade. Apertou sua Bíblia contra o peito e acusou todos os médicos de serem “adoradores de ídolos”, invocou a ira de seu deus sobre todos eles. Depois de uma resistência considerável, a Sra. Z. finalmente foi convencida a aceitar tratamento eletroconvulsivo, ficando sem sintomas após seis tratamentos. Nesse momento, atribuiu sua doença a um parto difícil, à ausência de seu marido e a sua mãe irracional. Não viu mais necessidade de médicos, pediu a presença de seu pastor e começou a falar de sua doença como uma experiência religiosa semelhante à experiência de líderes religiosos históricos. Contudo, os sintomas não retornaram, e ela teve alta após seis semanas de hospitalização. (Cortesia de Bushra Naz, M.D., Laura J. Fochtmann, M.D., e Evelyn J. Bromet, Ph.D.) [Fim do Quadro]

Medicamentos psicotrópicos durante a gravidez 

Não existem respostas definitivas sobre quais medicamentos psicotrópicos são os mais seguros durante a gestação e a lactação. Em pacientes com doença psiquiátrica com agravamento durante a gravidez, devem ser tentadas psicoterapia ambulatorial, hospitalização e terapia ambiental antes do uso de rotina de medicamentos psicotrópicos. Os riscos e os benefícios de tratamento com psicotrópicos em contraposição à doença psiquiátrica da mãe devem ser avaliados criteriosamente de um indivíduo para outro. Caso a paciente, seu psiquiatra e seu obstetra optem pela continuação dos medicamentos psiquiátricos durante a gestação, a dosagem deve ser calibrada para as alterações fisiológicas de cada trimestre. Embora nenhum medicamento antidepressivo tenha sido associado a morte intrauterina ou a defeitos congênitos maiores, tanto inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) quanto antidepressivos tricíclicos (ATCs) estão associados a uma síndrome perinatal transitória. Estudos demonstraram que a fluoxetina foi encontrada no líquido amniótico. Estabilizadores do humor estão associados a mais riscos teratogênicos consequentes, como anomalias cardíacas e defeitos do tubo neural, mas mulheres com transtorno bipolar correm risco significativo de recaída sem medicamentos de manutenção. O lítio foi associado a aumento de risco para anomalia de Ebstein, um deslocamento congênito para baixo da valva tricúspide para o ventrículo direito.

A Food and Drug Administration (FDA) classifica os fármacos em cinco categorias de risco para uso durante a gravidez. Essas categorias são codificadas como A, B, C, D e X (Tab. 27-9). De modo geral, todos os medicamentos que não são absolutamente essenciais devem ser evitados durante a gestação.

Teratogênicos

Teratogênicos são fármacos ou outros agentes que causam desenvolvimento fetal anormal. Infecções como catapora, toxoplasmose e herpes simples, entre outras, podem interferir no desenvolvimento normal. Gestantes que fumam estão sujeitas a parto prematuro, e defeitos congênitos são mais comuns em fumantes do que em não fumantes. Abuso de álcool está associado à síndrome alcoólica fetal (veja a Seção 20.2). Outras drogas de abuso, como cocaína e heroína, produzem recém-nascidos dependentes de drogas. De modo geral, gestantes não devem usar fármacos, com ou sem receita médica, e fitoterápicos. Fármacos administrados no terceiro trimestre raramente são teratogênicos. Retinoides (usados para tratar acne) tomados no início da gravidez estiveram associados a anormalidades fetais.

Transtorno disfórico pré-menstrual

O transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) é uma doença somatopsíquica desencadeada pela oscilação dos níveis de esteroides sexuais que acompanham um ciclo menstrual ovulatório. Ele ocorre cerca de uma semana antes do início da menstruação e se caracteriza por irritabilidade, labilidade emocional, cefaleia, ansiedade e depressão. Os sintomas somáticos incluem edema, ganho de peso, dor nos seios, síncope e parestesias. Os critérios diagnósticos para transtorno disfórico pré-menstrual segundo o DSM-5 são listados na Tabela 27-10. Aproximadamente 5% das mulheres apresentam o transtorno. O tratamento é sintomático e inclui analgésicos para dor e sedativos para ansiedade e insônia. A retenção de líquidos é aliviada com diuréticos.

A síndrome geralmente identificada envolve sintomas de humor (p. ex., labilidade, irritabilidade), de comportamento (p. ex., mudanças no padrão de alimentação, insônia) e físicos (p. ex., sensibilidade nos seios, edema e cefaleias). Esse padrão de sintomas ocorre em um momento específico durante o ciclo menstrual e se resolve durante algum tempo entre os ciclos. As mudanças hormonais que ocorrem durante o ciclo menstrual provavelmente estão envolvidas na produção de sintomas, embora a etiologia exata seja desconhecida.

Devido à ausência de um acordo geral quanto aos critérios diagnósticos, a epidemiologia de disforia pré-menstrual não é conhecida com certeza. Até 80% de todas as mulheres passam por algum tipo de alteração no humor, no sono ou de sintomas somáticos durante o período pré-menstrual, e cerca de 40% dessas mulheres apresentam, no mínimo, sintomas pré-menstruais de leves a moderados que as levam a buscar orientação médica. Apenas 3 a 7% das mulheres têm sintomas que satisfazem todos os critérios diagnósticos para TDPM.

Devido ao fato de a maioria das mulheres que experimenta alterações no afeto ou sintomas somáticos durante o período pré-menstrual apresentar prejuízo funcional grave, é importante distingui-las daquelas diagnosticadas com TDPM. Síndrome pré-menstrual (SPM) se diferencia de TDPM pela gravidade e pela

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quantidade dos sintomas, bem como pelo grau em que o funcionamento é prejudicado. A Tabela 27-11 lista os critérios diagnósticos para SPM, na qual a paciente relata pelo menos um dos sintomas afetivos ou somáticos durante os cinco dias anteriores à menstruação, em cada um dos três ciclos menstruais anteriores.

O curso e o prognóstico do TDPM não foram estudados suficientemente a ponto de se obter conclusões razoáveis. Informalmente, quando o tratamento adequado não é iniciado, os sintomas têm propensão a ser crônicos. O tratamento do TDPM inclui apoio para a paciente para a presença e identificação dos sintomas. Relata-se que ISRSs (p. ex., fluoxetina) e alprazolam são eficazes, embora não haja comprovação conclusiva de eficácia do tratamento em vários experimentos bem controlados. Caso os sintomas estejam presentes durante todo o ciclo menstrual, sem alívio entre os ciclos, o clínico deve considerar um dos transtornos do humor não relacionados ao ciclo menstrual e transtornos de ansiedade. A presença de sintomas particularmente graves, mesmo que cíclicos, deve motivar o clínico a considerar outros transtornos do humor e transtornos de ansiedade. Um exame médico completo é necessário para descartar a possibilidade de outras condições médicas ou cirúrgicas que expliquem os sintomas (p. ex., endometriose).

OUTRAS QUESTÕES

Doenças sexualmente transmissíveis

Uma doença sexualmente transmissível (DST) é uma doença contagiosa adquirida como resultado de interação sexual física. Desde a década de 1950 até os anos de 1970, as infecções eram consideradas tratáveis e não eram potencialmente letais. Isso foi antes da identificação da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), que é causada pela infecção com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e atualmente é incurável, potencialmente letal e transmissível da mãe para o feto.

Uma sequela das DSTs, como gonorreia e clamídia, é a doença inflamatória pélvica (DIP). Sem tratamento, a DIP pode se desenvolver em abscessos tubário-ovarianos bilaterais e exigir histerectomia e salpingo-ooforectomia bilateral. Tratamento antibiótico imediato é recomendado para impedir o desenvolvimento dos abscessos e reduzir a probabilidade de infertilidade, dor pélvica crônica e gravidez ectópica de danos tubários. Essas infecções também podem levar à obstrução dos ductos deferentes e à prostatite crônica e, consequentemente, à infertilidade masculina.

Verrugas venéreas, ou papiloma vírus humano (HPV), podem ter consequências graves. Infecções genitais com determinados subtipos de HPV podem levar a mudanças pré-malignas do pênis, da vulva, da vagina e do colo do útero, e acredita-se que causem câncer do colo do útero.

Monogamia sexual e abstinência, que previnem a maioria das DSTs, são aconselhadas como medidas de saúde pública. Contudo, impulsos libidinosos podem ser difíceis de controlar e restringir. Portanto, medidas como uso de preservativos são fortemente recomendadas como plano alternativo de saúde pública. Os adolescentes, em

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particular, precisam conhecer as consequências possíveis de atividade sexual com relação a DSTs e gravidez. Aconselhar adolescentes a permanecerem castos dificilmente será totalmente eficaz e pode ser contraproducente. Os riscos de ter relações sexuais podem ser esquecidos ou parecer mínimos em comparação à necessidade de afeto ou de fuga. Pessoas com baixa autoestima ou sob estresse podem encarar o sexo como um meio de fortalecerem sua autoimagem ou fugirem de seu estresse. As propriedades reforçadoras do sexo garantem que o problema das DSTs continuará. Estudos na Europa, especialmente nos Países Baixos, demonstraram que a fácil disponibilidade de preservativos (p. ex., em escolas) reduz tanto DSTs quanto gravidez indesejada.

Dor pélvica

A dor pélvica pode ter diversas causas, incluindo endometriose, aderências pélvicas, massas ovarianas ou dos anexos, hérnias e doença renal ou intestinal. Ela também pode ser secundária a causas psicogênicas, como culpa, fertilidade, ou medo de infertilidade, e perturbações emocionais associadas a incesto ou abuso sexual atual ou ocorrido no passado. A dor pélvica não deve ser atribuída a causas psicogênicas a menos que uma avaliação completa tenha descartado a possibilidade de causas orgânicas. Na maioria dos casos, a avaliação deve incluir uma laparoscopia de diagnóstico. Do mesmo modo, não se deve presumir que dispareunia ou dor durante as relações sexuais tenha origem psicogênica a menos que todas as causas anatômicas tenham sido descartadas.

Pseudociese

Pseudociese (falsa gravidez) é o desenvolvimento de sintomas clássicos de gravidez – amenorreia, náusea, aumento e pigmentação dos seios, distensão abdominal (Fig. 27-2) e dores de parto – em mulheres não grávidas. A pseudociese demonstra a capacidade da psique de dominar o corpo, provavelmente por meio de estímulo central no nível do hipotálamo. Acredita-se que processos psicológicos predisponentes incluam um desejo patológico e medo da gravidez; ambivalência ou conflito quanto a gênero, sexualidade ou ideia de ter filhos; e uma reação de luto à perda após aborto espontâneo, ligação tubária ou histerectomia. A paciente pode ter um delírio somático verdadeiro que não está sujeito a teste de realidade, mas com frequência um teste negativo de gravidez ou ultrassom pélvico leva à resolução da condição. Recomenda-se psicoterapia durante ou após a apresentação de pseudociese para avaliar e tratar a disfunção psicológica subjacente. Um evento relacionado, a couvade (ou recolhimento), ocorre em algumas culturas e consiste na simulação do parto pelo pai da criança, como se ele estivesse dando à luz. Nessas sociedades, a couvade é um fenômeno normal.

[Inicio do Quadro 27.2] A Srta. S., de 16 anos, acreditava ter ficado grávida após sua primeira experiência sexual, a qual ocorreu sem o uso de contraceptivos. Logo depois de ler sobre os sinais e sintomas de gravidez, sua menstruação se interrompeu. Ela relatou sentir formigamento nos seios, que acreditava terem ficado maiores. Relatou também náusea e vômitos matinais, que foram observados por sua mãe. Durante o exame, o útero estava maior, os seios estavam desenvolvidos com aréola escurecida e continham leite, e uma linha pigmentada foi observada do umbigo ao púbis. O abdome não estava aumentado, mas ela acreditava sentir movimento fetal. Um teste de gravidez teve resultado negativo, e a paciente foi informada do fato; no entanto, não conseguia ser dissuadida de sua crença em estar grávida. Começou a fazer psicoterapia, e, em dois meses, sua menstruação voltou, e ela aceitou que não estava grávida. [Fim do Quadro]

Hiperêmese gravídica

Hiperêmese gravídica se diferencia de náusea matinal no sentido de que os vômitos são crônicos, persistentes e frequentes, levando a cetose, acidose, perda de peso e desidratação. O prognóstico é excelente tanto para a mãe quanto para o feto com o tratamento imediato. A maioria das mulheres pode receber tratamento ambulatorial, com mudança para refeições menores, descontinuação de suplementos de ferro e evitando determinados alimentos. Em casos graves, a hospitalização pode ser necessária. Embora a causa seja desconhecida, pode haver um componente psicológico. Mulheres com história de anorexia nervosa ou bulimia nervosa correm risco de hiperêmese gravídica.

[Inicio da descrição da Figura 27.2] ... [Fim da descrição]

[Inicio da legenda da Figura 27.2] Distensão abdominal em paciente na 36ª semana. Exame bimanual revelou normalidade de tamanho e de posição do útero. [Fim da legenda]

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Pica

Pica é a ingestão repetida de substâncias não nutritivas, como sujeira, argila, goma, areia e fezes. Esse transtorno alimentar costuma ser observado com mais frequência em crianças pequenas, mas é comum em mulheres grávidas em algumas subculturas, sendo mais evidente entre afro-americanas em zonas rurais do sul dos Estados Unidos, as quais podem ingerir argila ou goma (preparado para engomar tecidos). A causa de pica é desconhecida, mas pode estar relacionada a deficiências nutricionais na mãe.

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